Xotinha é a das outras. Uma fêmea linda e tesuda como você tem é uma bela de uma bo-ce-ta.” Assim Leilah Assunção inicia o texto A PALAVRA (que você vai poder ler aqui mesmo, proximamente).
O que é uma bela boceta?
Bem,há bocetas para todos os gostos: lisas, cabeludas, pequenas, grandes, em forma de flor, com muitas pregas etc. E sempre que se trata da boceta sob o ponto de vista estético, a visão tem sido sempre a masculina. Vamos reparar um pouco isso.
O que as próprias mulheres
pensam sobre suas vulvas, em termos de beleza? Será que isso é mesmo
importante? Onde ficam a autoestima das mulheres, quando são os homens que
julgam se elas são ou não bonitas “lá em baixo”? E a visão preconceituosa que
muitos homens têm em relação às bocetas, dando-lhes apelidos estranhos ou
dizendo que cheiram a isso ou àquilo. Bem, vamos dar a palavra a uma mulher,
que ela tem muito a nos dizer sobre isso:
QUÃO BONITA É A SUA PEPECA?
Fabiana Gomes
E então, gatinha, tá feliz
com a sua pepeca? E seus parceiros ou parceiras, o que acham dela? E a
sociedadji? O que diz a sociedadji sobre a sua pepeca?
Opa! Espera um minuto. A
sociedade precisa ter uma opinião sobre sua pepeca? Vamos seguindo o baile aqui
pra tentar entender. Até quando está permitido ser bonita?
Acho que, antes mesmo de a
gente caminhar em direção à beleza da nossa "amiga", talvez
pudéssemos começar por essa nomenclatura tolinha, infantilizada. Por que ainda
é tão difícil nomearmos com naturalidade o órgão sexual feminino?
Quais possíveis associações
podem ser feitas a alguns dos neologismos empregados para se referir a essa
parte do corpo da mulher? Perseguida, periquita, florzinha, perereca — quase
sempre nominhos fofos e associados ao universo infantil.
E quando se usa, por
exemplo, a palavra "buceta"? Faz-se um pesado silêncio no ambiente.
Que palavrão! Em comparação, palavras para denominar o pênis são amplamente
utilizadas e aceitas na sociedade, até mesmo entre os defensores da moral e dos
bons costumes.
E muitas vezes elas servem
para atribuir grandeza ou potência a algo: "Nossa, o show foi do
caralho!", "Esse restaurante é pica demais!", "Esse livro é
bom pra cacete!". Nunca nada é "da buceta" ou "pra
buceta". Isso não. Sempre do caralho e pro caralho. É falocentrismo que
fala? (Ou melhor, falo?)
Na sequência do estudo de
substantivos, vamos dar só uma passadinha rápida na classe de anatomia, pra
gente ficar na mesma página antes de eu chegar onde quero.
Se ainda existirem dúvidas,
vulva e vagina são coisas diferentes. A primeira é o que está por fora: grandes
e pequenos lábios e o nosso amigão clitóris (se ele ainda não é seu amigão,
você precisa dar um aconchego nele e fazer um carinho, pois ele costuma ser
muito receptivo). A segunda compreende o que está por dentro. É o canal que
recobre o colo do útero e se abre na vulva.
"Oi, linda, você vai
falar do que hoje, afinal? Sexo? Psicanálise? Pedofilia? Não era pra tá falando
de beleza?" Nossa, é mesmo. Acabei me perdendo de novo em divagações aqui.
Voltando ao tema do dia.
Sim, senhoras, agora parece
haver padrões de vulva e de vagina a serem seguidos. E aí a gente pode discutir
mais um padrão de beleza para mulheres, né?
Para quem não sabe, nos últimos anos, um sem fim de procedimentos vêm sendo disponibilizados e realizados nos consultórios médicos para modificar características da genitália feminina.
Quando pensei em escrever
esse texto, eu tava com algumas convicções sobre os procedimentos puramente
estéticos. Mas meu pensamento me levou, como de costume, para um lugar
questionador. Nutrida, então, pela curiosidade, fui tentar entender alguns
deles. Para tanto, conversei com a ginecologista Elsa Aida Gay de Pereyra.
Com um currículo extenso na
área, é atualmente médica Doutora do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia
e Coordenadora do Ambulatório de Sexualidade Humana na Clínica de Ginecologia
do Hospital das Clínicas, da Faculdade de Medicina da USP. E ela me deu uma
aula sobre os tais procedimentos.
O ponto aqui é: sim, vários
deles não dizem respeito à estética. Estão ligados à saúde física e também à
saúde mental da mulher, já que tocam em pontos ligados à autoestima, que podem
interferir na satisfação em relações sexuais. Eles melhoram significativamente
a funcionalidade e sustentação de importantes estruturas, e as mulheres podem
se beneficiar dessas operações em diferentes momentos da vida, como o pós-parto
ou em casos de terapias de bloqueio dos ovários em tratamentos contra o câncer
de mama.
Em resumo, dra. Elsa me disse que, mais do que seguir a linha de pensamento da estética, parece que o grande lance das intervenções é explorar o conceito de funcionalidade da vagina.
Mas isso não me afasta (de forma alguma) de levantar as questões que eu queria trazer para a coluna de hoje. Por isso, depois de trazer a visão médica positiva sobre os procedimentos na vagina, retorno para as provocações que me trouxeram até aqui.
Meus balões de dúvidas iniciam sua subida quando noto que parece haver um movimento pregando a existência de uma única estética aceitável. Um determinado tipo de xana, que, em linhas gerais, precisa ser sempre jovem, lisa e clara. Qual é o ponto aqui? Muitos símbolos a serem discutidos.
Não é novidade que existam
muitos mecanismos de controle na sociedade, alguns sutis e outros mais
explícitos. Portanto, é preciso estar sempre vigilante. Aqui, talvez uma das
grandes responsáveis pelo culto à pepeca rosa, pelada, carnuda e apertadinha
seja a indústria pornográfica (e seus consumidores).
Quem são essas pessoas? Perversos que vivem em grutas secretas debaixo da terra? Hmm, acho que não, né? Se pá, tem algum mais perto do que você imagina. E, a partir disso, proponho outro raciocínio: quem tem essas características na xoxota? Essa indústria e seus consumidores incitam e promovem essa estética, raramente incluindo xotas reais, xotas como a sua e as das minas ao seu redor.
Os títulos de filmes e vídeos são um caso a parte. Um caso de polícia, eu diria. É toda uma profusão de novinhas isso, novinhas aquilo, e teens por toda parte nas chamadas, reforçando o padrão. E não tô falando da "deep web", não. Tô falando daquele Tube Vermelho logo ali à mão.
Essa pressão estética acaba levando muitas mulheres a buscarem cirurgias plásticas, reconstruções, mutilações e "desconfigurações" dos próprios corpos, mais uma vez para atender a um padrão estético imposto por uma sociedade que não está preocupada com o bem-estar feminino.
Pra encerrar, como já é uma
tradição nossa, gostaria de propor a boa e velha reflexão. Há mesmo um padrão
relacionado às regiões íntimas da mulher? Ele precisa existir? Quem instituiu e
quais as razões disso? Como esse padrão pode afetar nossas vidas e em quais
níveis? Estamos felizes ou não com nossas características? Se não, por que não?
O grande ponto, mais uma
vez, é: precisamos ter o direito de escolha sobre o que queremos ou não fazer
com nossos corpos. Ninguém tá autorizado a falar que a sua amigona é errada,
feiosa, derrubada, fedida, peluda, grande demais, pequena demais, escura demais.
Se algo te incomodar nela, pense no motivo por estar te incomodando. Se quer
mudar, pense em por que quer mudar e como essas mudanças vão interferir na tua
vida.
E para conhecer e acolher
outras vulvas, dá uma passeada descompromissada no perfil @the.vulva.gallery,
@vagina_museum, @mydearvagina e @ishowflag_isback no Instagram. Busque a obra
do artista britânico Jamie McCartney intitulada "The Great Wall of
Vagina". Observe quantos "modelos" existem e sinta o poder da
representatividade. Quanta diferença. Viva a diferença!
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