terça-feira, 28 de dezembro de 2021

DE TODOS OS NOMES, QUAL O NOME?

 


Como você, mulher, chama “aquilo que você tem entre as pernas”? E você, amigo, como chama na intimidade “aquilo que sua mulher/esposa/amante/peguete etc. tem entre as pernas”?


Sim, vamos falar de nome. Ou seja, qual é o nome da “coisa” melhor que a mulher tem?


Se você ainda não leu o conto A PALAVRA, da escritora Leilah Assumpção, publicado aqui mesmo, corra lá e leia, por favor, antes de continuarmos esse papo. Assim, você saberá exatamente como são importantes os nomes. Ou não!



Bem, lembro uma canção americana, cantada pela banda Bloodhound Gang, chamada The Vagina Song (A canção da vagina), cuja primeira estrofe é assim:



Some of them are hairy
Some of them are bald
Some are kind scary
And this is what they're called

Vagina!
Vagi-hoo-a!
They call that thing
Vagina



Numa tradução livre:




Algumas são cabeludas

Algumas são lisinhas

Algumas são assustadoras

E assim é como são chamadas




Vagina!

Vagi-hoo-a!

Chamam-nas de

Vagina



(Se quiser ouvir a música, veja este vídeo do Youtube, que tem só a canção e a letra, sem imagens: https://www.youtube.com/watch?v=ebUT92clxzw



Pois, é: “vagina” é a palavra “oficial” para “ela”, em inglês. Embora possam ser até assustadoras!




Em português, qual o nome, digamos, oficial?


Os livros científicos quando falam em “vagina” querem dizer “o canal entre o útero e a vulva”, o que é, portanto, uma outra “coisa”, não exatamente aquilo que pensamos, deixando o termo “vulva” para “a parte exterior do aparelho genital da mulher”, ou seja, exatamente aquilo que pensamos, quando pensamos naquilo.




Mas, será que alguma mulher usa este termo – vulva – em conversas normais, como “vou depilar minha vulva” ou, para o amante, “você gostou da minha vulva”?




Acho, ou melhor, tenho certeza, que não!



Num episódio do famoso seriado televisivo SEX AND THE CITY, Sônia Braga vive uma artista brasileira lésbica que seduz a personagem de Kim Catrall (a insaciável Samantha Jones) e, numa cena, explica-lhe que há em português uma palavra “muito bonita” para designar “vagina”: boceta.


Em todas as línguas, eu creio, há inúmeras palavras para designar o “órgão genital feminino” (órgão genital feminino: típica expressão broxante!, de livro católico de educação sexual e assemelhados). Em português, não é diferente. Já computei centenas de nomes populares e regionais para a “boceta” (que muitos preferem grafar “buceta” – questão de gosto, sem trocadilho, ou de tornar o vocábulo mais escrachado).




Como “boceta” significa “caixa”, muitas outras palavras desse campo semântico, ou seja, que lembrem vasos, entradas, receptáculos etc. passaram a ter o significado de boceta, como nestes exemplos: arapuca-de-caçar-pinto, bainha, bainha-de-homem, baú, boca-de-baixo, boca-de-cabelo, boca-sem-dentes, buraco-de-minhoca, caixinha-de-segredos, caneco-de-couro, canoinha, chincha (= canoa, canoinha), engole-cobra, fenda, grota, greta, gruta, gretagarbo, gruta-do-amor, goelão, enxu (= vespeiro, colmeia), lascadinha, lascada, mealheiro (= cofre), moente (= moedor = moedouro, sendo moer = "copular"), ninho-de-piroca, ninho-de-rola, olha (ôlha = panela, já em Gregório de Matos), panela-rachada (empregada em carta familiar pelo patriarca José Bonifácio para sua filha recém-nascida), pichéu/pichel (= vasilha de vinho), porteira-do-mundo, racha, rachadura, rego, rego-de-mijar, samburá (= cesta), tabaqueira (donde "tirar o tabaco, da [tabaqueira]"= deflorar), tabaco, tigela-com-pêlos, vaso, vaso dianteiro, vão...






Certos elementos de nosso imaginário, como a cor, os pelos, a beleza, a rechonchudez e a até a hediondez, podem levar a conotações tanto de desejo quanto carinhosas e nobres ou até pejorativas e despeitadas para dar nomes curiosos e, às vezes, estranhos, à boceta (oficializemos a boceta!), como, por exemplo: aranha, arraia-preta, bacalhau (há aqui alusão olfativa, dominantemente), bacorinho, barata, baratinha, bichana, borboleta, cachorro, caranguejeira, caranguejo, concriz/concliz (currupião), cururu (o sapo), lacraia, marisco-da-barra, marmota, mosca, pássara, passarinha (no masculino é, em geral, o pênis), perereca, periquita/priquita, pomba, pombinha, rata, rola, rolinha, sapo, sururu, tatu, ursa...



São também comuns nomes associados a funções, a formas, a cheiros e outros elementos culturais, como nestas designações, dentre muitas: áfrica (alusão ao negrume do cabelo pixaim, dominante entre nós, malgrado as louras e as falsas louras), almofada, bigode, bombril ( por sua função como utensílio e por ser eficaz só quando bem esfregado), caiçara (no sentido de recesso ou mata espessa onde o caçador se embosca), cara-preta, cara-de-sapo, casco-de-veado e casco-de-veadinho (alusão à forma, quando protuberante), cuscuz (uma abundância de sentidos: duplo, doce, múltiplo para as chamadas partes, para os seios, para as ancas, para as nádegas), engenho-d’água, entre-pernas (puro locativo), fábrica-de-fazer-boneco e fábrica-de-fazer-menino (funcional), ferida (visual), fidel-castro (pelas barbas), fonte, gramado (pelas ervas/pelos), ilha-negra, ímã-do-mundo, isqueiro (porque se incendeia e incendeia), lambedeira (= lambedouro, lugar onde se lambe, cunilinga), nascedouro (onde se nasce), mata, mata-homem, mijador, carne-mijada, olho-d’água, países-baixos, pé-de-barriga, jóia, joinha (infantil), prendas, segredinho (infantil), tira-prova-de-homem, touceira, triângulo...




São também interessantes os nomes que não apresentam nenhuma relação aparente com objetos, flores, frutos, funções, cheiros etc., mas apenas apresentam uma relação onomatopaica (ou seja, soam de forma agradável ou imitam onomatopeias infantis, com sons repetidos, como “xixi”). Encontram-se neste caso: pichita, pixana, pixéu/pichéu, prexeta, prexexa, xerecas, xexeca, xiba, xibio, xinxa, xinim, xiranha, xiri, xiricas, xiruba, xixim, xota, xoxota, bixota, bixoxota, pachecha, pachuda, pachada, pachocho, pachucha. Como são vocábulos não dicionarizados, a grafia oscila entre o “x” e o “ch”.



Em particular, muitos amantes dão nomes aos respectivos órgãos sexuais, como parte do jogo amoroso, como forma de carinho ou como a assinalar a posse pelo nome (nomear é uma forma de possuir, pelo menos no sentido imagético). Assim, um sujeito chamado Francisco, pode ter um “joãosinho”ou um “zezinho”, para sua namorada. E ele referir-se à “laurinha” ou à “margarida” de sua Andreia, por exemplo.




Em francês, também abundam (epa!) nomes, mas chamo a atenção para, pelo menos, um: chatte (gata, em tradução literal). Porque, em português, não costumamos chamá-la de “gata” (que tem outro sentido, de mulher bonita, agradável etc), mas usamos um codinome bem parecido: xana ou xaninha (não sei por que a preferência pelo “x”), que são diminutivos de “bichana” por associação com “bichano”, nome popular para gato. Ou seja, as metáforas e associações parecem repetir-se, não importa a cultura. E somos sempre muito criativos, quando desejamos, através de nomes e designações especiais, contornar os aspectos morais que envolvem dizer com palavras precisas aquilo que se quer dizer (sobre isto, não deixe de ler o conto genial de Leilah Assunção).


Enfim, de todos os nomes – e são tantos, que citei apenas uma pequena parcela – qual o nome?




E por que é importante ter um nome?



ILUSTRADORES: GEORGES PICHARD (Paris, 17 de janeiro de 1920 — 9 de junho de 2003)

  Aprecio muito o trabalho dos ilustradores, geralmente desenhistas exímios, que se dedicam, muitas vezes, a ilustrar a publicação de obras ...