domingo, 7 de abril de 2024

ILUSTRADORES: GEORGES PICHARD (Paris, 17 de janeiro de 1920 — 9 de junho de 2003)

 


Aprecio muito o trabalho dos ilustradores, geralmente desenhistas exímios, que se dedicam, muitas vezes, a ilustrar a publicação de obras tanto sérias, como a DIVINA COMÉDIA (seu mais ilustre ilustrador foi, sem dúvida, Gustave Doré), até obras licenciosas, com FANNY HILL, de John Cleland.

Apresento, hoje, Georges Pichard, desenhista francês especializado em quadrinhos eróticos. Nascido em Paris, ele foi educado na École des Arts Appliqués e, após a Segunda Guerra Mundial, trabalhou como ilustrador em publicidade antes de publicar sua primeira tirinha em La Semaine de Suzette em 1956, apresentando uma personagem "vizinha" chamada Miss Mimi.

No início dos anos 1960 conheceu Jacques Lob, com quem colaborou nas paródias de super - heróis Ténébrax e Submerman. Ténébrax foi publicado pela primeira vez na revista de quadrinhos franco-belga Chouchou, e continuou sua série na revista italiana Linus. Em 1967, Submerman foi publicado em série na revista Pilote, mas depois de alguns anos Pichard deixou inteiramente o gênero de quadrinhos para famílias.

Em 1966, Pichard começou a trabalhar dentro do género erótico de quadrinhos, ou banda desenhada, como dizem em Portugal. Aos poucos desenvolveu seu estilo, com mulheres altas e bem-dotadas, com maquiagem excessiva de delineador para criar uma aparência gótica.

Pichard continuou a empurrar os limites morais de sua arte erótica, quando colaborou com Georges Wolinski para criar uma série polêmica, Paulette, que se tornou alvo de políticos de direita, e em 1977, a natureza explícita do trabalho de Pichard levou ao seu banimento das livrarias e quiosques.

Perto do final da vida, Pichard adaptou histórias eróticas clássicas como Les Exploits d'un jeune Don Juan de Guillaume Apollinaire, O Kama-Sutra de Vatsyayana, Trois filles de leur mère de Pierre Louÿs, La Religieuse de Denis Diderot e Germinal de Émile Zola.

Deguste e divirta-se com a arte de Pichard:



















segunda-feira, 19 de fevereiro de 2024

UM FETICHE DOS TEMPOS DE MARILYN MONROE

 

 





Mesmo a geração mais nova já ouviu falar do filme “O pecado mora ao lado”, em que Marilyn Monroe protagoniza – esta, sim, uma cena que todos conhecem – a famosa cena do respiro do metrô, quando uma lufada de vento levanta seu vestido. O filme é de 1955. O tempo passou. Ficaram, para muitos, as lembranças e o desejo oculto de que a atriz bem que poderia não estar usando calcinha. Infelizmente, não há como refazer a cena, para atender esse fetiche, a não ser que alguém use a chamada inteligência artificial para recriá-la com a nudez da atriz. Mas, aí, seria artificial. E não seria nem legal nem honesto para ninguém. Então, vamos fazer o seguinte: recriemos – mais ou menos – a cena de Marilyn Monroe com outras muitas mulheres e em situação semelhante, não exatamente o vento do metrô, mas o vento que faz ferver nossa imaginação, quando um descuido deixa que gozemos a visão de belas bocetas:













terça-feira, 16 de janeiro de 2024

QUEM VÊ CARA NÃO VÊ BOCETA... MAS AGORA VÊ, SIM!

 


Fotografias do sexo feminino em close têm sempre alguma coisa um tanto frustrante. Deseja-se ver “o outro rosto”. Pois, isso é possível através de um livro magistralmente intitulado RETRATOS DE BOCETAS, da estadunidense Frannie Adams.


Ela ganha a vida fotografando mulheres e, às vezes, sua boceta em close. E são essas fotos em close que ela publicou no livro PUSSY PORTRAITS. Mas, não apenas a boceta: ela pulica também o close do rosto da dona, num fascinante diálogo visual entre o sexo e o rosto.

A gente se surpreende a olhar as dobras e plissados dos pequenos lábios com a mesma atenção com que olhamos as bocas e a cor dos olhos... à procura de uma lógica. É possível adivinhar como pode ser o sexo de uma mulher vendo apenas o seu rosto? E o contrário? Frannie Adams responde: “Já faz um ano que tiro fotografias duplas e, pessoalmente, fico desconcertada quando uma mulher tira sua calcinha. Cada vez é uma surpresa. É possível que algumas pessoas consigam estabelecer correspondências, ou “ler” as vulvas com a mesma acuidade que alguns psicólogos leem suas expressões faciais... mas este não é o meu caso”.

As modelos que aceitaram posar para esse livro são geralmente modelos “tímidas, mas orgulhosas de seus corpos”, assegura Frannie. “Algumas são até mesmo exibicionistas e adoram se deixar fotografar”. Fica evidente que efetivamente elas amam isto: pode-se ver a olho nu o sexo que aflora. Tiradas à luz do flash, a maior parte das vulvas brilham, mucosas húmidas exsudando ligeiramente uma espécie de secreção que goteja às vezes do oco de algumas fendas. “Não há nenhum truque, assegura Frannie, nada de gel ou de lubrificantes. As modelos estavam excitadas. Acontece muitas vezes durante as sessões de fotos, porque – para poder tirar closes – eu me aproximo muito. Eu sinto seu calor. Eu sinto seu odor. E elas sentem que eu sinto. Há uma verdadeira relação de proximidade”.

Frannie escolheu suas modelas apenas pelo rosto. “Era preciso que elas fossem variadas (de todas as origens), belas e autênticas. Eu queria mulheres verdadeiras, não manequins magricelas. Elas têm entre 18 e 25 anos”. De modo surpreendente, os rostos são tão variados quantos os sexos. Incrível diversidade de lábios e de clitóris. A gente se crê numa arca de Noé genital: cada espécie representada por uma vulva diferente. Há as discretas, aquelas que se parecem com pequenas canoas, com fendas ou com fechaduras. Há as espetaculares, que desfraldam velas ao vento como navios. Há as artísticas, que cultivam suas excrescências e circunvoluções como cogumelos mágicos... Se este livro devesse ter uma moral, seria: “cada boceta é única, e viva a diferença!”

Aí estão algumas dessas fotos, para sua apreciação, leitor e leitora deste blog, curiosos e apreciadores de bocetas:

























quinta-feira, 28 de dezembro de 2023

O SONETO DO OLHO DO CU




Duas histórias – literárias – da França:

Em 1869, Albert Mérat, um poeta parnasiano, publicou um livro de sonetos chamado L’Idole (O ídolo), em que descreve poeticamente, em versos rebuscados, o corpo da amada. Há, então, sonetos para cada um dos membros: soneto dos olhos, da boca, dos dentes, do nariz, da orelha, dos seios, do ventre, das pernas, do pé etc. Um banquete de anatomia.

Por essa mesma época, reuniam-se Verlaine, Rimbaud, Coppée e outros simbolistas, ou antiparnasianos, num grupo autodenominado “zutique” ou “zutiste”, termo usado para indicar desprezo, irritação com alguém. O objetivo desse grupo de poetas era ridicularizar os parnasianos e zombar de todos, até deles mesmos, com irreverência e bom humor.

Verlaine e Rimbaud (nem vou dizer que foram amantes, nem que eram homossexuais, isso é irrelevante) logo perceberam que faltava aos poemas de Mérat uma parte preciosa do corpo da amada: Le cul (o cu).

Assim, resolveram cobrir essa lacuna (sem duplo sentido, por favor!) e fizeram, a quatro mãos (ou a quatro dedos, sei lá!), o SONETO DO OLHO DO CU. Com o objetivo claro de zombar de Mérat que ficou tão puto, que nem posou para o famoso quadro de Henri Fantin-Latour, Le coin de table (Canto de mesa). No seu lugar, há um vaso de flores. Note-se que Verlaine está à esquerda e que era mais velho que Rimbaud, o que não impediu... deixa pra lá, nada de fofocas!

"Coin de table" - Henri Fantin-Latour (da esquerda à direita, Paul Verlaine, Arthur Rimbaud, 
Elzeár Bonnier, Léon Valade, Émile Blémont, Jean Picard, Ernest d'Hervilly e Camille Pelletan)


Algumas observações sobre o poema, seu estilo e dificuldades de tradução:

1. Palavra “cul” não está explícita no poema, mas somente no título;

2. Quanto ao título, “Le trou du cul”, literalmente seria “o buraco do cu”; mas aceitei a tradução mais comum, para nós, de “o olho do cu”;

3. Segundo o próprio Verlaine, ele escreveu os quartetos e Rimbaud teria escrito os tercetos;

4. Esse poema, juntamente com os demais, que compunham um conjunto, só foi publicado quase três décadas depois;

5. O poema é complexo, cheio de metáforas sensoriais, com palavras até mesmo arcaicas ou eruditas, com rimas ricas e raras, denotando todo o virtuosismo característico dos dois poetas, o que dificulta bastante sua tradução;

6. O poema tem, pelo menos, quatro versões, apresentadas pelos próprios autores, mas as diferenças entre elas não são muito significativas;

7. O historiador Marcos Silva, doutor em História Social pela Universidade de São Paulo e professor de História dessa mesma Universidade, publicou um trabalho bastante interessante sobre esse poema, intitulado “Rir do corpo: paródia e riso num poema de Rimbaud e Verlaine”;

8. Informa-nos o professor Silva que, em 1991, José Celso Martinez Corrêa e Marcelo Drummond, do Grupo Oficina, traduziram esse poema e o incluíram na montagem da peça “As boas” (Les Bonnes), de Jean Genet, dando realce à face homoerótica do poema, numa recriação livre, sem rigidez de métrica e rimas. Essa tradução foi musicada e gravada por José Miguel Wisnik.

Eis o poema, no original, em uma de suas versões:

LE SONNET DU TROU DU CUL

Par Arthur Rimbaud et Paul Verlaine

(Druuna: Serpieri)

Obscur et froncé comme un oeillet violet,

Il respire, humblement tapi parmi la mousse

Humide encor d'amour qui suit la fuite douce

Des Fesses blanches jusqu'au coeur de son ourlet.

Des filaments pareils à des larmes de lait

Ont pleuré, sous l'autan cruel qui les repousse

A travers de petits caillots de marne rousse,

Pour s'aller perdre où la pente les appelait.

Mon Rêve s'aboucha souvent à sa ventouse;

Mon âme, du coït matériel jalouse,

En fit son larmier fauve et son nid de sanglots.

C'est l'olive pâmée, et la flûte caline

C'est le tube où descend la céleste praline:

Chanaan féminin dans les moiteurs enclos!



Agora, a tradução literal, de minha autoria, sem preocupação com rima, ritmo e sonoridades (apenas para que o leitor que não domine o francês saiba exatamente do que se trata):

O SONETO DO OLHO DO CU

de Arthur Rimbaud e Paul Verlaine




Obscuro e plissado como um cravo roxo,

Ele respira, humildemente escondido no musgo

Ainda úmido de amor que desce pelas curvas suaves

Dos glúteos brancos até o coração de sua borda.



Filamentos semelhantes a lágrimas de leite

Choraram, sob a tempestade cruel que os expulsa

Por entre pequenos coágulos de argila vermelha,

Para se perder onde as encostas os chamava.



Meu sonho abocanhou muitas vezes sua ventosa (1);

Minha alma, do coito material ciumenta,

Ali fez seu lacrimal selvagem e seu ninho de soluços.





É o fruto encantado(2), e a flauta delicada

É o canal por onde se esvai a celestial pralina (3):

Canaã(4) feminino nas umidades encerrado(5)!


Notas:

(1) “Ventouse”, creio, tem, aí o significado de “orifício”, “abertura”e não, exatamente, “ventosa” (aparelho de sucção).

(2) Olive pâmée: “olive” é azeitona; já o adjetivo “pamée” é particípio do verbo “pâmer”, que é arcaico, e significa “cair em síncope”, “desamaiar” (tomado de uma emoção) “de amor”, “de felicidade”, “de desejo” etc. O adjetivo “pâmant” siginifica “algo que suscita admiração, encantamento”. Portanto, a expressão “olive pamé” é uma metáfora para algo, no caso, um fruto, extraordinário, admirável, que provoca êxtase.

(3) Pralina: amêndoa confeitada.

(4) Canaã: terra prometida, ideal ou idealizada, onde os rios vertem mel e azeite.

(5) Observe que, neste último terceto, o poeta retoma as “umidades”(metáforas tácteis) da primeira estrofe, ao mesmo tempo que se refere, como na lenda bíblica, a rios de mel e azeite, em metáforas sonoras (flauta), olfativas, visuais e gustativas (pralina). O poema, em francês, quase impossível de ser traduzido, é uma cornucópia de elementos sensoriais.


Há várias versões desse poema, para inúmeras línguas. Como curiosidade, uma das versões em inglês, por Oliver Bernard (Collected Poems, 1962):

SONNET TO AN ASSHOLE


Dark and wrinkled like a purple pink

It breathes, nestling humbly among the still-damp

Froth of love that follows the gentle slope

Of the white buttocks to its crater's edge.

Filaments like tears of milk

Have wept in the cruel wind which pushes them back,

Across little clots of reddish marl

To lose themselves where the slope called them.

My dream has often kissed its opening;

My soul, jealous of physical coitus,

Has made this its fawn-coloured tear-bottle and its nest of sobs.

It is the rapturous olive and the wheedling flute,

The tube from which the heavenly burnt almond falls:

Feminine Canaan enclosed among moistures.



E, com vocês, duas versões (ou recriações) em português:


SONETO DO OLHO DO CU

Tradução de Heoloísa Jahn



Obscuro e franzido como um cravo roxo,

Humilde ele respira escondido na espuma,

Úmido ainda do amor que pelas curvas suaves

Dos glúteos brancos desce à orla de sua auréola.

Uns filamentos, como lágrimas de leite,

Choraram, ao vento inclemente que os expulsa,

Passando por calhaus de uma argila vermelha,

Para escorrer, por fim, ao longo das encostas.

Muita vez minha boca uniu-se a essa ventosa;

Sem poder ter o coito material, minha alma

Fez dele um lacrimário, um ninho de soluços.

Ele é tonta azeitona, a flauta carinhosa,

Tudo por onde desce a divina pralina,

Canãa feminino que eclode na umidade.


(Para ser caluniado – Poemas Eróticos, tradução de Heoloísa Jahn)



SONETO DO OLHO DO CU


(Tadução de Marcos Silva)




Obscuro e pregueado cravo violeta

Respira, humildemente no meio da espuma

Inda úmida de amor que em doce encosta ruma

Da brancura da bunda à beirada da meta.



Filamentos tais como lágrimas de leite

Choraram, sob o vento cruel que os repele,

Através de coágulos de barro em pele,

P’ra se perder depois onde a encosta os deite.



Mi’a boca se ajustou muita vez à ventosa

Minh’alma, do coito material invejosa,

Fez ali lacrimal e de soluços ninho.



Azeitona em desmaio e taça carinhosa

O tubo onde desce celeste noz gostosa

Canaã feminino em suor muradinho!




Bem, aí está, portanto, o resgate em termos poéticos de uma parte do corpo humano que os humanos em geral consideram sujo e indigno de menção, a não ser em situações de extrema irritação, quando emerge das bocas menos insuspeitas o famoso “vá tomar no cu”. Verlaine e Rimbaud, dois dos maiores poetas de todos os tempos, provam que o ser humano, essa maravilha ainda imperfeita de milhares de anos de evolução, não pode ter preconceitos em relação a seu próprio corpo, nem o poeta (ou escritor) preconceitos ou medos em relação às palavras. Nada é sujo, nada é sagrado: tudo é natural.





ANTES E DEPOIS: MULHERES NEGRAS

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