terça-feira, 12 de abril de 2022

HOMOSSEXUALIDADE: ENTENDER, DESMISTIFICAR, ACEITAR – O QUE AS LÉSBICAS NÃO AGUENTAM MAIS OUVIR





A homossexualidade feminina sempre esteve presente na sociedade humana, assim como a homossexualidade masculina. As mulheres, no entanto, sofreram ou sofrem menos preconceitos do que os homens, quando se declaram lésbicas? Essa é uma pergunta difícil de responder, porque a sociedade homofóbica assesta seus preconceitos contra tudo o que é diferente, em termos de sexo.


No entanto, por terem sido mais discretas que os homens, as homossexuais femininas não “causam” tanto, porque nos acostumamos a fechar os olhos para detalhes, como duas mulheres andarem de mãos dadas na rua, trocarem carícias públicas (dentro de certos limites, claro!!!), viverem juntas numa mesma casa etc. etc. etc.


Nos tempos atuais, os armários têm sido abertos e neles encontramos muitas surpresas. Surpresas que, muitas vezes, não agradam nem um pouco aos conservadores de plantão, dispostos a atirar pedras e não apenas a primeira. Por isso, o texto abaixo deve soar como um alerta para essas pessoas – a de que é necessário respeitar as pessoas, independentemente de sua sexualidade ou de suas sexualidades – e como uma abertura das mentes contra o preconceito:


O QUE AS LÉSBICAS NÃO AGUENTAM MAIS OUVIR, E PORQUE ELAS SE OFENDEM

MARCELA DONINI


Lésbicas vão ao supermercado. Limpam cocô de gato. Sofrem por não conseguir ler todos os livros que acumulam. Lançam livros.


- Não somos sexualidades recortadas. Somos pessoas completas, complexas e comuns - diz a escritora Natalia Borges Polesso, vencedora do Jabuti na categoria Contos em 2016.


A autora decidiu compartilhar cenas cotidianas no Instagram com a tag #visibilidadelésbica. A ideia é tirar de foco a questão da sexualidade quando se fala em lesbiandade. Seu desejo, e de outras mulheres lésbicas, é ser vista como uma pessoa comum, mas, também, como uma mulher que se relaciona com outras mulheres e não quer mais ser questionada sobre "quem é o homem da relação".


Feitos por homens e mulheres heterossexuais, comentários como esse escancaram preconceito e ignorância. A educadora social Daiana Santos, ativista dos movimentos negro, LGBT+ e feminista e moradora da periferia de Porto Alegre, atribui esses discursos à falta de educação sexual.


- Não debatemos esses temas, logo, tudo é tabu, nada pode. Assim se colocam marcadores para delimitar quem é quem. Se além de lésbica, a mulher é negra, mais masculinizada e mora na periferia, o preconceito é ainda maior - afirma.


Donna conversou com mulheres lésbicas para saber que frases e perguntas elas estão cansadas de ouvir e por que elas se ofendem. Confira a seguir.


"Só não pode querer virar homem."

É bastante comum confundir sexualidade com identidade de gênero. Lésbica é a mulher que tem relações afetivo-sexuais com outras mulheres. Tem a ver com orientação sexual, e não com gênero, explica Carol Bastos, articuladora da Liga Brasileira de Lésbicas no Rio Grande do Sul (LBL-RS).


Para a produtora cultural Ariane Laubin, esse tipo de comentário parte de quem não aceita pessoas do gênero feminino que não atendem a padrões de moda e beleza esperados de uma mulher pelo senso comum.


- Não queremos ser ou parecer homens. Queremos ser nós mesmas - diz ela, que também é voluntária na ONG Somos - Comunicação, Saúde e Sexualidade.



"É falta de homem!"

Ou variações como "Isso é porque você não encontrou o homem certo, que te pegue de jeito". A escritora Natalia Borges Polesso propõe uma comparação:


- Eu poderia dizer a mesma coisa para um homem heterossexual. Como ele pode saber que é hétero se nunca se relacionou com outro homem? Ele vai achar bizarro, assim como nós achamos quando alguém nos diz isso.


Relações entre mulheres não são o resultado das relações com homens, ressalta Carol. Até porque nem toda mulher lésbica teve relacionamentos heterossexuais.


Ariane chama a atenção para outra questão: fica parecendo que mulheres homossexuais precisam ser "curadas". Aliás, essa crença está por trás do estupro corretivo de lésbicas, prática criminosa definida como uma tentativa de "corrigir" uma característica da vítima, no caso, sua orientação sexual.



"Quem é o homem da relação?"

O óbvio, às vezes, precisa ser dito. Então, diga lá, Carol Bastos:

- Não há homem na relação lésbica, a relação é entre mulheres.


Esse tipo de pergunta expressa o quanto nossa sociedade é heteronormativa, ou seja, entendemos que todo relacionamento afetivo é formado por um homem e uma mulher. Além disso, é uma frase machista porque pressupõe que, em uma relação, há papéis desempenhados só pelos homens.


Daiana Santos, também integrante da LBL-RS, questiona por que precisaria haver sempre um homem ou uma figura masculina em um relacionamento. Um casal de mulheres é um outro tipo de construção, diz, diferente daquela imposta culturalmente, mas que, para a surpresa de alguns, tem a mesma base que qualquer relação afetuosa deveria ter:

- Para além da sexualidade, estamos falando de amor, carinho e respeito - diz.



"Você não pode ser mãe."

Quando se casou com Ariane Laubin, Bianca Garbelini já era mãe de Sofia, hoje com 12 anos. Em lugares públicos, frequentemente o casal percebe olhares tortos e é abordado com perguntas que pressupõem que a menina foi adotada.


- Isso está longe de ser um problema pela adoção em si, que é maternidade tanto quanto a biológica, mas por outro tipo de preconceito: esse de que a mulher lésbica não pode engravidar - explica Bia.


Sofia foi fruto de um relacionamento heterossexual durante a juventude de Bia. Mas não custa lembrar que mulheres lésbicas que queiram engravidar podem optar por reprodução assistida.


Antes de conhecer Ariane, que hoje compartilha a maternidade de Sofia, Bia era questionada por estranhos sobre "o seu mar

- Ter uma filha é andar com um atestado de heterossexualidade pendurado em ti (risos) - brinca a bancária, para logo voltar a falar sério: - Isso dói na medida em que a nossa sexualidade é uma parte importante de quem a gente é, e isso ser invisível é triste.



“Nem parece lésbica.”

Esse tipo de comentário é feito a lésbicas que atendem a padrões de beleza e estilo esperados pelo senso comum, consideradas "mais femininas". Produtora de conteúdo do canal de YouTube Carolez TV, no qual fala sobre diversidade e autoestima, Carol Delgado está acostumada a ouvir esse tipo de frase e ser assediada por homens.


Essa ideia de "cara de lésbica" ou "jeito de lésbica" cria mais um conflito na hora de algumas mulheres se assumirem homossexuais porque, segundo Carol, elas não se identificam com o estereótipo de mulher masculinizada. Às vezes, o preconceito parte de outras lésbicas, conta. - Dificulta até conseguir namorada - desabafa.


O comentário é mais uma confusão entre identidade de gênero e sexualidade, já que tem gente ainda presa a crenças limitantes como homens vestem azul e gostam de mulheres, e mulheres vestem rosa e gostam de homens. Para essas pessoas, se uma mulher gosta de mulheres, ela necessariamente tem que ter um estilo masculino.


- Esses constructos de mulher são muito pobres. As pessoas podiam aprender com gays e lésbicas a serem mais livres - observa Natalia.



"Também quero participar."


Dita por homens, essa frase, além de machista, ilustra a hiperssexualização da mulher lésbica. Na França, a Google chegou a mudar seu algoritmo para que o termo lesbienne (lésbica em francês) deixasse de sugerir apenas resultados pornográficos.


Afinal, como diz Natalia Borges Polesso, elas são muito mais do que corpos sexualizados.


Quando ouve uma frase como essa, a escritora tem uma resposta na ponta da língua: - Ninguém te convidou. Os corpos das mulheres não estão à disposição dos homens.


Se até a gigante da tecnologia reviu seu algoritmo, você também pode rever seus pré-conceitos.

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